Você já se pegou a meio de um pacote de bolachas sem nem se lembrar de o ter aberto? Ou a verificar as redes sociais no telemóvel de forma automática sempre que tem um minuto livre? Se sim, você não está sozinho. Pesquisadores estimam que mais de 40% das ações que realizamos todos os dias não são decisões conscientes, mas sim hábitos.
Os nossos hábitos governam as nossas vidas, desde o que comemos e como nos exercitamos, até à forma como trabalhamos e nos relacionamos. Eles são, na sua essência, atalhos mentais que o cérebro cria para poupar esforço. Em vez de deliberar sobre cada pequena ação, o cérebro entra em “piloto automático”, libertando recursos para tarefas mais complexas.
Mas e se esses atalhos nos estiverem a levar para o destino errado?
A boa notícia é que os hábitos não são um destino. São um código que pode ser decifrado e reescrito. A chave para essa mudança está em compreender um modelo neurológico simples, mas incrivelmente poderoso, popularizado pelo jornalista Charles Duhigg no seu livro “O Poder do Hábito”: o Ciclo do Hábito.
Os 3 Componentes do Ciclo do Hábito
Todo e qualquer hábito, seja ele bom ou mau, segue um ciclo de três etapas que acontece no nosso cérebro.
1. A Deixa (ou Gatilho)
A deixa é o estímulo que diz ao nosso cérebro para entrar em modo automático e qual hábito deve ser executado. É o gatilho que inicia o comportamento. As deixas podem ser de vários tipos:
- Um local: Entrar na cozinha.
- Uma hora do dia: 15h, a meio da tarde.
- Um estado emocional: Sentir-se stressado, entediado ou ansioso.
- A presença de outras pessoas: Ver um amigo a fumar.
- Uma ação imediatamente anterior: Terminar uma refeição.
Identificar a deixa é o primeiro passo crucial para entender o seu hábito.
2. A Rotina
A rotina é o comportamento em si — a ação física, mental ou emocional que se segue à deixa. Pode ser comer um doce, verificar o e-mail, roer as unhas ou fazer uma corrida de 30 minutos. Esta é a parte do hábito que geralmente queremos mudar.
3. A Recompensa
A recompensa é o prémio que se segue à rotina e que diz ao nosso cérebro: “Isto foi bom! Vamos lembrar-nos deste ciclo para o futuro”. A recompensa é o que reforça o hábito e cria um forte desejo (
craving) neurológico que nos faz querer repetir o ciclo da próxima vez que a deixa aparecer.
A recompensa pode ser uma sensação física (o pico de açúcar de um doce), uma satisfação emocional (o alívio do tédio ao navegar na internet) ou qualquer outro resultado positivo. É a recompensa que fecha o ciclo e o torna automático.
A Regra de Ouro para Mudar Qualquer Hábito
Muitas pessoas falham ao tentar mudar um mau hábito porque tentam lutar contra ele usando apenas a força de vontade. Elas tentam eliminar a rotina sem entender o que a está a impulsionar.
A abordagem mais eficaz, segundo a ciência, é muito mais inteligente. É a chamada “Regra de Ouro da Mudança de Hábito”: mantenha a mesma deixa e a mesma recompensa, mas substitua a rotina.
Em vez de erradicar o ciclo, você vai “hackeá-lo”. Você vai dar ao seu cérebro a recompensa que ele anseia, mas através de uma rotina mais saudável e construtiva.
Exemplo prático:
- Hábito a mudar: Comer um donut às 15h todos os dias.
- Deixa: Sentir uma quebra de energia e tédio por volta das 15h.
- Rotina: Ir à copa e comer um donut.
- Recompensa: O pico de açúcar, a distração do trabalho e a socialização com os colegas.
Em vez de simplesmente proibir o donut, você pode substituir a rotina. Quando as 15h chegarem (a deixa), em vez de ir buscar o donut, você pode:
- Nova Rotina 1: Fazer uma caminhada de 5 minutos e conversar com um colega.
- Nova Rotina 2: Comer uma maçã e ouvir uma música energética.
Ambas as novas rotinas oferecem uma recompensa semelhante (energia, distração, socialização), satisfazendo o desejo do cérebro sem os malefícios do açúcar. Ao fazer isso de forma consistente, o novo comportamento torna-se o novo hábito.
Como Desvendar e Reescrever os Seus Próprios Hábitos
Está pronto para se tornar um engenheiro dos seus hábitos? Siga estes passos:
- Identifique a Rotina: Qual é o comportamento exato que você quer mudar? Seja específico. “Comer porcaria” é vago. “Comer um pacote de batatas fritas no sofá depois do jantar” é específico.
- Experimente com Recompensas: Este passo é fundamental para descobrir o que o seu cérebro realmente procura. Quando a deixa surgir, em vez de executar a rotina antiga, teste uma nova. Se o seu hábito é navegar nas redes sociais, tente levantar-se e alongar, ou conversar com alguém por 5 minutos. O objetivo é descobrir qual recompensa satisfaz o seu desejo. É distração? É conexão social? É alívio do tédio?
- Isole a Deixa: Durante alguns dias, sempre que sentir o desejo de executar o hábito, anote as respostas a estas 5 perguntas:
- Onde estou?
- Que horas são?
- Qual é o meu estado emocional?
- Quem mais está por perto?
- Qual foi a ação que fiz imediatamente antes? Ao fim de alguns dias, um padrão claro sobre a sua deixa irá emergir.
- Crie um Plano: Agora que você conhece todo o ciclo, pode criar um plano de ação consciente. Use a fórmula: “Quando acontecer, eu vou executar para obter.” Escreva este plano e coloque-o num local visível.
Conclusão: Você no Controlo
Os seus hábitos não são a sua identidade. São apenas padrões neurológicos que foram reforçados ao longo do tempo. Ao compreender a mecânica simples do ciclo Deixa-Rotina-Recompensa, você ganha o poder de assumir o controlo.
Você deixa de ser uma vítima dos seus comportamentos automáticos e passa a ser o arquiteto da sua própria vida. A mudança não acontece da noite para o dia, mas com consciência, estratégia e consistência, você pode reescrever qualquer hábito.